Ciência
Como o Brasil está ajudando a aperfeiçoar o Telescópio Gigante de Magalhães
Publicado
3 anos atrásem
Planejado para entrar em funcionamento em 2029, o Telescópio Gigante Magalhães (Giant Magellan Telescope, ou GMT, na sigla em inglês) revolucionará a observação do espaço. Classificado como o primeiro da classe Telescópios Extremamente Grandes, o GMT fornecerá uma alta capacidade de definição e sensibilidade para observação do cosmos — superando o telescópio mais potente do momento, que é o Telescópio Espacial Hubble.
O GMT fica localizado no Observatório Las Campanas, nos Andes Chilenos, a mais de 2,5 mil metros acima do nível do mar. Através de sete espelhos ópticos — os maiores já produzidos —, o GMT terá um diâmetro aproximado de 25,4 metros, permitindo que astrônomos observem a luz logo após o Big Bang, no início do universo, há cerca de 14 bilhões de anos. Além da região ser conhecida como um dos melhores sítios astronômicos da Terra, por conta do céu limpo e com pouquíssima poluição luminosa, a localização no hemisfério Sul permitirá que o telescópio observe também o centro da Via Láctea.
E o bacana é que o GMT conta com a colaboração de vários países — entre eles, o Brasil. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) aprovou um total de US $40 milhões para participação no projeto do GMT, mas este custo será compartilhado com o Ministério da Ciência e Tecnologia, permitindo que profissionais de todo o país tenham acesso ao telescópio.
Participação brasileira no aperfeiçoamento do GMT
O Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), em parceria com outras instituições acadêmicas, participa desde 2017 da elaboração do projeto do GMT e desempenha um papel importante para o sucesso do poderoso telescópio. Em entrevista para o Canaltech, o engenheiro eletrônico do instituto, Sérgio Ribeiro, explica que: “esse projeto coloca o Mauá no importante cenário tecnológico internacional, além de ir ao encontro da filosofia da nossa Instituição de integrar a expertise das diferentes áreas do conhecimento, e o desenvolvimento colaborativo entre as divisões de Eletrônica e Telecomunicações do Centro de Pesquisas (CP) e o Núcleo de Sistemas Eletrônicos Embarcados (NSEE), que abrange as Engenharias Eletrônica, de Computação e de Controle e Automação do Centro Universitário da Mauá”.
O IMT contribuirá de duas maneiras com o GMT. A primeira é na elaboração do simulador Wide Phasing Testbed (WFPT), o qual funcionará como uma espécie de “miniatura” do GMT. Dessa maneira, será possível testar se o telescópio final será capaz de focar com precisão um objeto astronômico. O instituto está justamente desenvolvendo um software que será responsável por controlar os componentes deste simulador, antecipando informações relacionadas aos efeitos da turbulência atmosférica e quais maneiras de removê-la nas observações.
A segunda contribuição do IMT, segundo o professor Rodrigo Alvite Romano, é a construção de um simulador fim-a-fim do GMT, que permitirá a integração de modelos de componentes ópticos e mecânicos com o de algoritmos de controle — vital ferramenta de engenharia, pois é ela que oferece as estimativas do desempenho do telescópio. “As estimativas são usadas tanto para verificar a compatibilidade dos resultados com requisitos dos subsistemas do GMT, como para avaliar o impacto de diferentes decisões de projeto na qualidade da imagem adquirida”, acrescenta Romano.
Entrevista exclusiva
Para entender melhor o funcionamento disso tudo, o Canaltech conversou com o Dr. Vanderlei Cunha Parro, Engenheiro Elétrico do IMT, que faz parte dos trabalhos que estão sendo desenvoldidos para o GMT.
Canaltech: Como exatamente o WFPT simula, em “miniatura”, o GMT?
Vanderlei Cunha Parro: O WFPT (Wide Field Phasing Testbed) funcionará como uma “miniatura” do Telescópio Gigante de Magalhães, onde será possível verificar se o telescópio real conseguirá “focar” corretamente num objeto astronômico de interesse . A ideia aqui é que possamos reproduzir em laboratório, numa mesa composta por diversos equipamentos diferentes, o comportamento dinâmico que o telescópio terá durante um período de observação, baseados numa ação da natureza e numa reação do telescópio.
Ação: a observação de uma estrela a partir do GMT sofrerá impacto de um evento natural chamado “turbulência atmosférica”. Essa turbulência é causada por vários motivos (diferença de densidade entre camadas de ar, ventos, variação de temperatura do ar, etc.), e ela é a razão pela qual as estrelas parecem vibrar quando olhamos para elas a noite, a olho nu — esse fenômeno é chamado de cintilação.
Reação: verificar se o software que está sendo desenvolvido para alterar automaticamente (e milimetricamente) a forma dos espelhos dos telescópios de modo a compensar os efeitos da turbulência atmosférica, conseguirá eliminar essa turbulência e garantir que tenhamos a melhor imagem possível. Esse processo conhecido como “ótica adaptativa”.
Portanto, o WFPT terá a capacidade de gerar um ponto de luz (simulando uma estrela), inserir uma serie de “ruídos” nesse ponto de luz (simulando a cintilação dessa estrela), e compensar essa cintilação alterando a forma de um espelho que irá receber esse ponto de luz, para garantirmos que teremos a melhor imagem no final da observação (assim como o telescópio real fará, mas numa escala muito maior);Neste projeto estão envolvidos o GMTO, A Universidade de Harvard e o Instituto Mauá de Tecnologia. Nosso papel no projeto é desenvolver o software que controlará os componentes dessa mesa, inserindo no sistema os efeitos da turbulência atmosférica. Como a validação dessa lógica de cancelamento da turbulência atmosférica é importantíssima para o telescópio, o WFPT deverá ser finalizado até o início de 2021, para que este sistema possa ser refinado.
CT: O IMT continuará trabalhando junto ao GMT mesmo após entregar o software e a modelagem óptica?
VCP: Após a entrega dos softwares, temos duas áreas de atuação que ambicionamos ser protagonistas:
- Ciência de primeira linha – Dr. Roberto Bertoldo Menezes – astrônomo e pesquisador do NSEE: temos a intenção de contribuir na elaboração de algoritmos para o tratamento de futuros dados a serem obtidos com o GMT. Além disso, também pretendemos contribuir na parte científica, realizando análises desses futuros dados relacionadas a alguns dos mais importantes temas da astrofísica moderna, como o estudo de buracos negros supermassivos em núcleos de galáxias e a análise da composição atmosférica de exoplanetas, o que representa uma etapa fundamental para a busca de vida fora da Terra.
- Engenharia no limite da tecnologia: com o retorno do Dr. Rodrigo Alvite Romano, previsto para os próximos anos, pretende-se avaliar a continuidade de investigação na área de controle e sistemas dinâmicos. Pretendemos também continuar a cooperar com equipes da Europa e Estados Unidos na criação e construção de novos instrumentos, sejam eles de uso em solo, quanto uso espacial.
CT: Quem são os/as profissionais envolvidos nestes projetos?
VCP: Dr. Vanderlei Cunha Parro – IMT; Dr. Sergio Ribeiro Augusto – IMT; Dr. Roberto Bertoldo Menezes – IMT; M.Sc. Marco Antonio Furlan – IMT; M.Sc. Alessandro de Oliveira Santos – IMT; Eng. Érico Lucas Marques – PJ; Eng. Diogo Slepetys – PJ; Guilherme Souza – aluno de IC E Leonardo Rodrigues – aluno de IC.
CT: O Instituto já desenvolveu algum trabalho como este ou é exclusivo para aplicação no GMT?
VCP: O IMT já desenvolveu diversos trabalhos na área, citamos os principais.
- CoRoT: – Determinação da função de espalhamento ótico (PSF – point spread function) do canal de exoplanetas do satélite CoRoT. Projeto financiado pela FAPESP (2006 – 2010) e pelo CNRS. O trabalho foi executado em cooperação com o instrumentista chefe da missão Dr. Michel Auvergne;
- NIRPS: Projeto executado em cooperação com a UFRN – pesquisador José Renan de Medeiros (CNPq 1A) e com o Observatório de Genebra (Suiça) na primeira fase de trabalhos do instrumento (2016-2017);
- HIRES: Participação em cooperação com a o INAF na especificação da arquitetura de software das câmeras técnicas para o instrumento HIRES – fase A de avaliação do ESO (2014 – );
- Plato: elaboração de um emulador em hardware do sistema de câmeras do satélite Plato em cooperação com a Agência espacial europeia (ESA);
- ComCam: projeto feito em parceria com o Observatório Carnegie – Pasadena – CA – EUA (2019-2020).
CT: De que outras maneiras estas tecnologias poderiam ser aplicadas?
VCP: As tecnologias e, também, as metodologias, podem ser aplicadas em diversas área da sociedade: o processamento de imagens astronómicas, permite o desenvolvimento de algoritmos ou podem ser aplicados em imagens médicas; modelagem do sistema ótico e sua emulação via hardware, bem como a criação de sistemas a partir destes modelos, podem ser levados à instrumentação laboratorial.
CT: Existem tecnologias parecidas com as desenvolvidas pelo instituto?
VCP: Convém notar que os projetos descritos são projetos únicos, logo requerem muitas vezes soluções únicas. No entanto, o desenvolvimento destas tecnologias se beneficiam das heranças de projetos anteriores e, criam uma herança para projetos futuros.
CT: As universidades do Brasil têm acesso ao desenvolvimento e resultados destes dois projetos desenvolvidos pelo IMT?
VCP: O IMT é parceiro do IAG/USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) e do GMTO no desenvolvimento específico das soluções para o GMT.
CT: Qual a importância deste trabalho do IMT e do Brasil no desenvolvimento do GMT, sobretudo no cenário mundial?
VCP: Os sistemas de controle e de óptica adaptativa são etapas essenciais no desenvolvimento do GMT, pois, sem isso, o seu desempenho, em termos de resolução espacial obtida com as observações, não seria superior ao de outros telescópios atuais, apesar do seu maior tamanho. Dessa forma, não há dúvida de que o Brasil está contribuindo significativamente em uma das etapas cruciais da construção do GMT. Além disso, é importante ressaltar que, apesar do grande número de profissionais competentes que possui nas áreas de Engenharia e Astrofísica, o Brasil, até hoje, teve poucas vezes um papel de destaque em grandes projetos internacionais. Essa participação na construção do GMT deverá contribuir muito não apenas para o desenvolvimento científico nacional, mas também para estimular outras futuras importantes participações em consórcios desse tipo.
CT: Quais são os retornos que a sociedade pode obter através destas tecnologias?
VCP: Formação de recursos humanos é, talvez, o principal deles. Em seguida colocaria as metodologias aplicadas para o desenvolvimento deste telescópio que traz um desafio gigantesco para a engenharia. Saliento, também, o aprimoramento de processos de fabricação, materiais, sistemas eletrônicos e mecânicos. Observe que estes resultados certamente serão “desaguados” na sociedade favorecendo a criação/ aperfeiçoamento de novos produtos e serviços.
Fonte: Canaltech
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