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O hábito que você deve cultivar para que o tédio na pandemia não mate sua criatividade
Publicado
3 anos atrásem
Quando a escritora Caroline Topperman se mudou de Vancouver, no Canadá, para Varsóvia, na Polônia, em 2013, sua criatividade floresceu. Caminhar pelas ruas de paralelepípedo repletas de cafés a enchia de inspiração.
“Sou aquele tipo de pessoa que encontra [a criatividade] fora de mim. Gosto muito de ir a galerias de arte, ler um livro e observar as pessoas”, diz ela.
Quando a pandemia de covid-19 começou, Topperman havia se mudado de volta para o Canadá, para uma pequena cidade nos arredores de Toronto.
Com as atividades reduzidas em decorrência do lockdown, Topperman admite que passou os dois meses seguintes chorando.
“Eu realmente senti bastante esse isolamento, porque eu estava sozinha na maior parte do tempo.”
Assim como várias pessoas, ela passou a trabalhar somente remotamente e sofreu com a falta de interação presencial.
Um dos trabalhos que ela estava terminando era escrever um artigo que descrevia um empreendimento imobiliário.
Antes, ela andaria pela propriedade e usaria estímulos visuais como inspiração — algo que ela não podia fazer durante o lockdown.
Ela também é cofundadora de um grupo de escritores e estava ministrando oficinas em Ontário — quando o grupo migrou para o mundo virtual, ela sentiu muita dificuldade.
“Trabalho muito melhor quando posso relaxar e sair com as pessoas, ser mais casual e trocar ideias”, diz ela.
Para muitas pessoas como Topperman, o isolamento e a falta de estímulo matam a criatividade.
Mas para outros, a solidão alimenta o pensamento criativo.
Para cada indivíduo com bloqueio criativo durante o lockdown, há vários que estão produzindo mais do que nunca.
Afinal, o que há no lockdown que parece bloquear criativamente algumas pessoas enquanto permite que outras prosperem?
À medida que as restrições continuam, entender onde e como podemos encontrar fontes de inspiração pode ajudar quem está com dificuldade de lidar com o isolamento a recuperar a criatividade.
Estímulo e tédio
Somos fascinados pela criatividade. É um campo bastante estudado, mas os cientistas ainda estão pesquisando os processos de pensamento que geram lampejos de inspiração.
Scott Barry Kaufman, psicólogo de Los Angeles e coautor do livro Wired To Create: Unraveling the Mysteries of the Creative Mind (“Programado para criar: desvendando os mistérios da mente criativa”, em tradução livre), descreve a criatividade como uma combinação de características e hábitos que podem parecer contraditórios.
Por exemplo, duas características comuns importantes são a abertura a novas experiências e a capacidade de se sentir confortável com os próprios pensamentos, diz ele.
Sandi Mann, professora de psicologia da University of Central Lancashire, no Reino Unido, e autora do livro The Science of Boredom: Why Boredom Is Good (“A ciência do tédio: por que o tédio é bom“, em tradução livre), destaca dois fatores opostos específicos como necessários para a criatividade: estímulo e tédio.
Segundo ela, a resposta das pessoas ao tédio muitas vezes determina se elas são capazes de explorar a criatividade em tempos de solidão.
Aqueles que normalmente tiram sua criatividade de algo novo podem ser mais propensos a se voltar para os dispositivos eletrônicos no isolamento, porque é uma forma de estímulo.
Como resultado, podem sentir mais dificuldade em deixar o tédio dominá-los, que é o que eles precisam para ser mais criativos.
“Se você deixar o tédio se instalar, sua mente vai vagar, você vai conseguir um pouco mais de criatividade“, explica.
Mann afirma, no entanto, que há uma dose ideal para o tédio, uma vez que em excesso pode drenar sua energia.
E o isolamento pode muito bem ter levado o tédio um pouco além desse limite ideal.
É o caso de Dannie-Lu Carr, coach de liderança, diretora de teatro e cantora/compositora de Sussex, no Reino Unido.
Antes da pandemia, Carr podia ser criativa sozinha; ela se inspirava conversando com as pessoas em eventos e, em seguida, refinava suas ideias durante uma viagem longa e solitária de trem ou avião.
Mas durante o lockdown, sem a explosão de estímulos para interromper longos períodos de isolamento, Carr achou mais difícil ser criativa.
“Acho que no isolamento, é um espaço mental diferente. Quando você está procurando por isso, você fica aquém”, diz ela.
Ela também sente falta da inspiração que surge ao trabalhar junto com outras pessoas. Antes da pandemia, ela estava gravando um álbum.
“Eu me encontrava com meu produtor, e a gente se divertia no estúdio. De repente, tivemos que trabalhar remotamente, e achei muito vazio.“
Ela sente falta de alguém para trocar ideias.
“Acho que perdemos aquela alquimia que pode acontecer quando você está com alguém em uma sala”, avalia.
Aqueles que alcançam seu “ponto ideal de tédio“, como diz Mann, são mais capazes de explorar a criatividade durante longos períodos de isolamento.
A americana Katie Ruiz, de 36 anos, artista e viajante prolífica, foi forçada a ficar em San Diego (Estados Unidos), sua cidade natal, quando a pandemia de covid-19 começou.
Antes da pandemia, Ruiz estava constantemente em movimento, conciliando várias obrigações diferentes — como dar aulas e ser babá — além de seus projetos de arte.
A vida agitada dava a ela muita inspiração, mas muitas vezes ela não conseguia encontrar tempo ou energia mental para transformar essa inspiração em trabalho criativo.
“Muitas vezes tenho ideias flutuando na minha cabeça, mas leva tempo e reflexão para realmente dar vida a elas“, explica.
Desde o início da pandemia, Ruiz teve um ano artisticamente muito produtivo, criando mais de 40 pinturas e esculturas.
“Honestamente, as obras que estou criando na pandemia são coisas em que venho pensando há cinco anos”, revela.
“Acho que tive um burnout antes da pandemia indo a todas as exposições de arte e eventos, então foi uma boa pausa.”
Dito isso, ela está começando a sentir falta de alguns aspectos de sua vida pré-pandemia.
“Estou definitivamente pronta para ver arte e amigos, e ter minha vida social de volta.”
Encontrando novos processos
Para aqueles que estão com dificuldade de acessar sua criatividade nestes tempos estranhos, no entanto, pode valer a pena rever seu processo criativo e até mesmo redefinir o que seria um estímulo útil.
Kaufman, que diz também estar sofrendo com a falta de interação presencial, suspeita que uma das razões pelas quais alguns indivíduos podem não ser capazes de explorar sua criatividade é que eles estão “presos aos velhos métodos de como o processo criativo deve ser”.
Ele desafia as pessoas a expandirem o significado de “novas experiências”.
“A abertura à experiência não precisa morrer porque você está preso em casa.”
Por exemplo, novas “experiências internas“, como escrever um diário, praticar meditação e mindfulness (atenção plena), são todas acessíveis. O registro das emoções, diz Kaufman, já mostrou ajudar na criatividade.
Para aqueles cujos processos criativos normalmente envolvem colaboração, Kaufman sugere participar de grupos virtuais ou conversar com pessoas cujos interesses e ideias são diferentes.
Quando você tem essas conversas regularmente, acrescenta ele, “a criatividade está fadada a surgir em algum momento”.
Kaufman diz acreditar que há “oportunidades reais” para liberar a criatividade se as pessoas estiverem dispostas a pensar de maneira diferente.
O segredo, segundo ele, é aceitar que o método antigo não é mais viável.
Na verdade, estabelecer um novo processo criativo foi exatamente o que ajudou Topperman.
“Um dia, de repente, me ocorreu que me formei em cinema na universidade porque era uma pessoa visual”, diz ela.
“Lembrei que também sou boa em fotografia e comecei a ver fotos no meu celular.”
Usando suas fotos de viagem como motivação, ela começou a escrever regularmente e acabou se reconectando com um velho amigo.
Juntos, eles decidiram transformar seus registros em um livro, tendo seu amigo como editor.
Ela também começou a caminhar regularmente, e acabou conhecendo sua cidade a pé.
E diz que ver esculturas em gelo, junto com a arte local, a ajudou a manter a mente estimulada e a gerar novas ideias.
Para Carr, por sua vez, marcar longos encontros virtuais para tomar café com seu produtor a ajudou a combater a solidão e a frustração de criar no isolamento.
Tanto ela quanto Topperman dizem que a coisa mais útil foi se libertar da pressão para criar — algo que especialistas e profissionais de criação concordam ser crucial para o processo criativo.
“Se você abrir mão da meta final, é mais provável que consiga alguma coisa”, diz Carr.
“O principal é não se estressar em ter que ser criativo”, acrescenta Topperman.
“No minuto em que começo a me forçar, é o momento em que meu cérebro desliga.”
Fonte: BBC Brasil
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