Paola Betancourt estava viajando por um mês pela Espanha com apenas uma pequena mochila quando percebeu que não precisava de muitas coisas para viver.
Ao voltar para casa, ela impôs-se o desafio de não comprar nada durante 365 dias — a rigor, o objetivo era não adquirir nada que não fosse absolutamente “essencial“.
E é justamente aí que entra a questão: o que é realmente indispensável para nossa vida?
Cada pessoa que aceita o desafio anticonsumo estabelece suas próprias regras.
Alguns, claro, são mais radicais do que outros. Mas, como não há juiz nessa disputa, trata-se de testar os limites que você mesmo estabelece.
Betancourt focou em não adquirir novas roupas ou itens desnecessários. Ela decidiu contar sobre sua experiência em alguns vídeos do YouTube.
No final de 2020, declarou diante da câmera: “Cumpri o desafio e estou superfeliz com isso. Adoro ir às lojas e não sentir vontade de comprar nada.”
Mas será que ela realmente não caiu em tentação? A bem da verdade, ela só precisou comprar algumas peças de vestuário porque passou a morar em um lugar com temperaturas mais baixas.
“Uma calça, três camisas e duas camisetas“, admite.
“Tive de fazer isso por necessidade absoluta e não me senti mal, porque estava ficando com frio.”
Hoje, segundo contou à BBC News Mundo, serviço da BBC em língua espanhola, Betancourt continua tentando consumir o mínimo possível para reduzir a poluição ambiental e praticar o distanciamento das coisas materiais.
Ela faz, por exemplo, seu próprio óleo de coco e sua pasta de dente com bicarbonato de sódio. Em sua casa, os produtos de limpeza foram substituídos por alternativas ecológicas.
“Aprendi o quanto podemos ser fortes quando abrimos os olhos e encaramos a realidade“, explica, referindo-se à importância de reduzir o consumo para o bem do meio ambiente.
Vício nas compras
A experiência da americana Hannah Louise Poston foi diferente. Seu desafio era acabar com a compra de produtos de beleza, roupas e eletrodomésticos, que adquiria quase compulsivamente havia um ano.
Ele comprava mesmo quando não tinha dinheiro para pagar as faturas e os boletos.
Era comum que ela gastasse US$ 3 mil a 4 mil em itens supérfluos, até entrar em pânico.
Foi assim que, em 2018, Poston adotou o desafio, que ganhou o nome em inglês de no-buy year (ou “ano sem compras“, numa tradução literal).
Assim com Betancourt, ela também registrou a experiência em vídeos, que trouxeram cerca de 20 mil inscritos para o seu canal no YouTube.
De acordo com Kit Yarrow, psicóloga especialista em padrões de consumo, “nos últimos 20 anos fomos inundados por ofertas de mercadorias baratas.”
Para ela, o desafio de não comprar funciona como “um antídoto contra a impulsividade e o consumismo“.
Entre os adeptos do desafio, o mais comum é ficar um ano sem comprar roupas.
Mas há pessoas que levam o no-buy year a um outro patamar: a alemã Greta Taubert decidiu ficar um ano sem comprar absolutamente nada. E ela conseguiu cumprir a meta.
Que fique claro: Taubert não adquiriu nada mesmo. Nem comidas ou bebidas.
Ela vivia apenas do que plantava em seu próprio jardim e até aprendeu a fazer xampu. Sua motivação era experimentar como seria a vida se o sistema econômico entrasse em colapso.
Como viver com menos?
Apesar de a história de Taubert chamar a atenção, ela é mais exceção do que regra.
Outros indivíduos focaram em desafios muito menos rígidos. É o caso dos adeptos do Projeto 33 (usar apenas 33 peças de roupa por três meses), daqueles que abandonam o telefone celular por 40 dias ou dos que eliminaram a televisão de suas vidas.
Uma vez que as regras são inventadas pelos participantes, as variantes são infinitas.
Joshua Becker, fundador do blog Becoming Minimalist, um site que promove o minimalismo, se desafiou a não comprar por três meses e também conseguiu
Para Becker, mais que a meta, o importante é manter um estilo de vida minimalista — o que, em suma, significa ter e comprar menos coisas.
“O minimalismo é viver com as coisas de que realmente preciso“, disse ele à BBC News Mundo.
“A ideia é remover as distrações de ter muitos pertences e focar nas coisas que realmente importam.”
Autor de vários livros sobre o assunto, atualmente Becker se dedica em tempo integral a escrever e dar palestras sobre o minimalismo.
Segundo sua experiência, um ano sem compras supérfluas traz muitos benefícios.
Os principais são economizar dinheiro, reduzir a pegada de carbono, eliminar as compras compulsivas e ter mais tempo para as coisas que realmente são importantes na vida.
Os 4 passos
A pergunta que muitos fazem é: como uma vida mais minimalista pode ser alcançada? Estas são as etapas que Becker propõe, em suas próprias palavras:
1. Defina sua meta para o ano sem compras
As razões para consumir menos e possuir menos coisas são diferentes para cada pessoa.
O primeiro passo é definir sua própria meta e se perguntar por que você está decidindo isso. É para economizar, para mostrar que pode cumprir uma meta, para poluir menos?
Não importa qual o seu motivo, o importante é ser claro sobre ele.
2. Defina suas regras
Embora o desafio seja chamado de no-buy year, isso não significa que você não possa adquirir nada.
A recomendação é definir o que você realmente deseja parar de comprar.
Para definir as regras, uma boa ideia é escrever uma lista com as compras que estão liberadas e aquelas que precisarão esperar o fim do desafio.
3. Prepare-se
Quando as regras e os objetivos estão definidos, há certas coisas que você pode fazer para se preparar para o desafio.
Para começar, faça uma lista com os seus gastos constantes e veja se eles respeitam ou não suas novas limitações.
Pense também em como você vai usar o seu tempo, já que uma das vantagens de um ano sem comprar é que você terá mais espaços livres na agenda.
Se você não tem planos de como preencher esse vazio, será mais fácil cair em tentação e voltar aos velhos hábitos de consumo.
4. Comece devagar. Que tal um mês sem compras?
Você não precisa se comprometer com 365 dias de uma só vez. Como qualquer outro novo hábito, é melhor avançar aos pouquinhos.
Para isso, a recomendação é iniciar com um mês sem comprar, e implantar aos poucos um período maior de tempo quando você já estiver mais experiente.
Becker avisa que, se você falhar ao longo do caminho, não desista. É possível tentar novamente quantas vezes quiser.
O importante, diz ele, é analisar por que isso aconteceu e se preparar melhor para a próxima vez.
Assim como Becker promove o minimalismo como estilo de vida, outras pessoas usam nomes diferentes para estimular um conceito parecido.
‘Projeto Compre Nada’
Existe um movimento internacional chamado Buy Nothing Project (“Projeto Compre Nada“, em tradução literal).
Tudo começou nos Estados Unidos em julho de 2013, quando as duas amigas Rebeca Rockefeller e Liesl Clark criaram um pequeno grupo online com moradores da Ilha de Bainbridge, Washington.
A ideia era que os participantes negociassem objetos e serviços sem a intermediação do dinheiro.
Essa prática faz parte da chamada economia do presente (ou “economia gratuita“).
A ideia se espalhou rapidamente pelo Facebook e grupos organizados de acordo áreas geográficas começaram a surgir com o apoio de voluntários.
De acordo com as fundadoras da iniciativa — que publicaram recentemente o livro The Buy Nothing, Get Everything Plan (O Plano Compre Nada, Consiga Tudo, em tradução livre) —, o movimento tem 1,5 milhão de participantes de 31 países distribuídos em 4.650 grupos, que contam com o apoio de cerca de 10 mil voluntários.
Mas como funciona o projeto? As pessoas publicam no grupo as coisas que desejam dar ou emprestar aos vizinhos e pedem o que gostariam de receber. Assim, a vida útil dos produtos é estendida, poluindo menos o planeta.
Os adeptos do plano trocam produtos muito diferentes — de móveis, roupas e eletrodomésticos a alimentos preparados na hora e caronas.
“Eles não compartilham coisas apenas. Os vizinhos se conhecem e constroem relacionamentos de confiança“, diz Clark, documentarista e cofundadora do movimento, à BBC News Mundo.
Questionada sobre que tipo de coisas adquire regularmente, Clark diz que só compra o que é essencial, como comida e material de limpeza.
“Mas, se não fosse pela pandemia, eu mesma faria meus próprios produtos de limpeza“, explica.
Como ela não gosta de fazer compras, o minimalismo naturalmente se tornou um estilo de vida.
“Não preciso ter roupas novas ou artigos para a casa, porque tudo vem de graça pra mim.”