Os sapatos de salto alto são um artigo de moda estabelecido há décadas. Apesar dos possíveis efeitos prejudiciais à saúde, continuam populares, especialmente entre o público feminino. Mas como nasceu o salto alto? Será que ele foi criado pensando na postura e na forma de caminhar das mulheres?
Para a última pergunta, a resposta é: não. O salto alto surgiu como uma peça de vestuário masculina, com homens ganhando alguns centímetros de altura no intuito de mostrar poder e autoridade. Sua associação com a elegância feminina veio bem depois.
Tudo começou por volta do século 16, ou até mesmo antes disso. Não numa passarela para desfiles ou numa festa, mas nos campos de batalha de guerras na Ásia. O primeiro salto alto da história fazia parte de calçados militares, como explica o historiador Greg Jenner.
“Os ocupantes da Ásia Ocidental eram exímios cavaleiros, e era assim que eles combatiam”, diz Jenner.
“Eles cavalgavam sobre a cela, e se levantavam para atirar com seus arcos e flechas. Isso significava que precisavam de um salto para se manterem equilibrados sobre o estribo.”
A ideia se espalhou pelo Ocidente há quase cinco séculos, quando o então xá da Pérsia, conhecido como Abbas, o Primeiro, enviou um grupo de emissários para a Europa.
“Eles apareceram usando salto alto, e todo mundo ficou… ‘Ooooohhhh’. Então, de repente, este artigo militar passou a ser adotado na Europa.”
Rei dita a moda
Os homens europeus queriam vestir calçados de salto alto para emular a força dos persas, e a rainha Elizabeth 1ª começou a usá-los para parecer mais masculina.
“É um pouco mais tarde, no começo do século 17, que começamos a ver saltos usados de forma generalizada, começando pelos homens, para parecerem mais masculinos e durões”, afirma Jenner.
A moda, porém, não parou por aí. “O que acontece rapidamente é que as mulheres começam a emular a moda masculina, e como parte disso elas começam a usar sapatos de homem.”
Como acontecia com frequência na antiga história da moda europeia, um monarca foi a sensação dessa época de mudanças.
“O grande momento, de verdade, é quando o rei Luís 14 [monarca da França de 1643 a 1715] começa a usar sapatos com saltos, porque ele era relativamente baixo, e ficou famoso por usar saltos vermelhos — que depois viriam a inspirar [Christian] Louboutin, no fim do século 20.”
O respaldo do rei francês significou o início da explosão do salto alto na Europa, como explica o historiador. “De repente, todo mundo estava usando salto alto na corte [francesa].”
Não foi, no entanto, uma história contínua de amor por este tipo de calçado. De acordo com Greg Jenner, o salto alto entrou e saiu de moda várias vezes, sem desaparecer por completo, e essas mudanças afetaram a forma como a peça passou a ser vista de acordo com o gênero que a usava.
No século 18, lembra o historiador, “filósofos estavam falando do racionalismo dos homens. Por outro lado, mulheres eram vistas como emotivas e sentimentais, e não se podia confiar nelas para que fizessem coisas importantes, como pensar”.
Esta diferença sobre o que se acreditava que se passava na cabeça de homens e mulheres, promovida naquela época na Europa, influenciou o que acontecia nos pés.
“Homens são então aconselhados a usar calçados racionais, e saltos não são racionais.”
Mulheres assumem
Abandonado pelos homens, os saltos foram então abraçados pelas mulheres.
“Nos anos 1860, é quando o salto alto feminino começa a ficar ‘sexy'”, diz Jenner.
Esta tendência se fortaleceu durante a Segunda Guerra Mundial, quando mulheres chamadas de “pin-ups” estamparam cartazes e revistas em poses sensuais, usando salto alto.
Em seguida, veio a invenção do salto stiletto, nos anos 1950.
Jenner diz que a indústria cinematográfica de Hollywood teve uma enorme influência na promoção do salto alto como símbolo de sensualidade. Ele lembra de uma frase famosa da atriz Marilyn Monroe: “Eu não sei quem inventou o salto alto, mas todas as mulheres devem muito a esta pessoa”.
“Ela estava falando em nome das mulheres. Para Monroe, se tratava de glamour, beleza e sensualidade. Ela sentia que [o salto alto] era um patrimônio.”
Uma pesquisa de 2017, liderada por David M. G. Lewis, da Universidade Murdoch, na Austrália, concluiu que o uso de saltos realmente torna as mulheres mais atraentes.
Este impacto, no entanto, não tem nada a ver com os pés — mas, sim, com o movimento provocado pelo salto no restante do corpo feminino, em especial na curvatura lombar.
“É possível perceber se uma mulher está usando salto alto sem ver seus pés, é aquela postura, a mudança na forma de andar”, diz a cientista social Heather Morgan, que cita a recente pesquisa.
“É a mudança no formato da coluna que, na verdade, é atraente.”
Impacto na saúde
Apesar de considerada atraente, tal mudança não é boa para o corpo.
“Nós observamos toda a pesquisa em torno do salto alto, e eles não são saudáveis“, afirma Morgan.
“Há mais risco de condições musculoesqueléticas, joanetes e dores.”
Segundo um estudo de 2001 da Pennsylvania State University, nos EUA, quanto mais alto o salto, mais ele força o corpo a ficar numa posição antinatural para manter seu centro de gravidade — e isso pode aumentar as dores nas costas significativamente.
Sabendo disso, fica a pergunta: será que os saltos ficarão entre nós para sempre?
As celebridades, certamente, continuam fãs desta peça do vestuário, especialmente em eventos de gala, quando eles aparecem em suas versões mais altas.
No entanto, em 2016, pela primeira vez, mais mulheres compraram tênis do que sapatos de salto no Reino Unido.
“Eu acho que eles [os saltos] são emblemáticos demais e parte demais de uma estética e de um imaginário, da história, e do poder para desparecer. Acho que estarão sempre por aí.”
Se depender do depoimento de uma mulher apaixonada pelo salto alto, tirado de um filme antigo dos arquivos da BBC, eles certamente estarão:
“Acho que eu prefiro sentir muita dor e usá-los, e ficar bonita — e sofrer por isso”.