O cérebro tem uma espécie de bateria para as decisões que vai perdendo força ao longo do dia. Há uma quantidade de escolhas conscientes que somos capazes de fazer diariamente e, a cada decisão tomada, a energia dessa bateria diminui, fazendo com que atuemos de maneira cada vez mais automática. Quando a carga se esgota, perdemos a competência de fazer boas escolhas.
Segundo Maria Cristina Pereira Lima, diretora da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e docente do departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia, a sobrecarga cerebral gerada pelo número de decisões ao longo do dia nos estimula a optar pelo que é mais conservador, simples ou conhecido. Por isso as escolhas vão perdendo a qualidade.
Alguma coisa acontece no meu… corpo
A discussão sobre como melhor classificar a fadiga de decisão está em aberto no meio psiquiátrico. Doença, transtorno, a categoria ainda é indefinida. Mesmo assim, sabe-se que ela gera consequências nocivas.
Frustração, autocrítica, culpa pontual e irritabilidade são alguns dos possíveis efeitos imediatos de situações prejudicadas pela fadiga. “A médio prazo, podemos falar em uma sensação de incapacidade contínua e maior dificuldade para realizar atividades, inclusive aquelas em que a pessoa tinha facilidade. E a longo prazo, uma incapacidade de produzir novas possibilidades diante desse processo [de tomada de decisão], um adoecimento, e aí a gente pode pensar, inclusive, no burnout”, conta Bianca Mayumi, psicóloga pelo UniCEUB (Centro Universitário de Brasília).
Fisicamente, o peso colocado, consciente ou inconscientemente, no processo de decidir deixa o corpo em estado de estresse, aumentando os níveis de cortisol e reduzindo a capacidade de ação dos sistemas digestivo, circulatório, imunológico e reprodutor. Sendo assim, todo estresse acumulado pode ter como efeito mais sério doenças cardiovasculares e estresse oxidativo —quando os processos celulares se desequilibram, causando envelhecimento precoce e maior risco de doenças como Parkinson ou Alzheimer.
Cabe acrescentar, como explicou Lima, que em um cenário incerto como a pandemia, as decisões tomadas mudam de maneira muito mais dinâmica, o que favorece a fadiga. Mulheres também podem sofrer mais, pois existem as decisões externas e os questionamentos internos a que se submetem por serem colocadas à prova com maior frequência.
“Existe uma questão que eu sempre abordo que é a fadiga de decisão feminina, porque muitas decisões cruciais são delegadas às mulheres no dia a dia. O glamour da decisão, da alta performance, da produtividade está ali relacionado ao homem”, aponta Ananda Sueyoshi, empreendedora, estudiosa da produtividade e cosmoanalista.
Mas como lembram as especialistas, não se pode falar em consequências universais. “O cansaço mental vai ser experimentado de forma totalmente diferente por quem respeita o seu descanso frente a uma outra pessoa para quem esse movimento representa um fracasso, por exemplo. Isso se estivermos falando de pessoas que podem ser permitir vivenciar esse movimento”, afirma Mayumi.
O que podemos fazer?
Saiba que a cada escolha, há uma perda “Todas as nossas escolhas envolvem uma perda. A exaustão fica mais forte quando me percebo nesse impasse de muitas possibilidades”, conta Marta Oliveira, psicóloga, instrutora de treinamento GTD (Getting Things Done) e especialista em mindfulness pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Nesse sentido, o primeiro passo talvez seja aceitar que ao escolher, obrigatoriamente deixaremos algo de lado.
Faça pausas Pequenas pausas de 10 a 15 minutos ao longo do dia também contribuem positivamente, servem como uma carga rápida de celular e ajudam a diminuir a sensação de cansaço mental. Por isso, fazer pausas antes de tomar uma decisão pode trazer uma qualidade significativa à escolha a ser tomada.
Organize-se Sueyoshi também diz que é mais difícil enxergar as opções quando estamos “no olho do furacão”. Se a desorganização prevalece, a tendência é deixar para decidir em cima da hora, tomar microdecisões que poderiam ser evitadas e revisitar decisões já tomadas. Se uma pessoa se organiza, ela inclui o momento de planejamento na sua rotina e bem menos coisas precisam ser decididas na hora.
Considere apenas que planejamento não quer dizer rigidez, logo a relevância de uma atividade que se decidiu priorizar pode mudar diante da imprevisibilidade natural da vida —e tudo bem.
Escreva Escrever também pode ser uma saída. De acordo com Oliveira, a mente não vê o começo, meio e fim das coisas. Fazer anotações é uma maneira de colocar ordem nos pensamentos para que se possa se envolver no que é preciso. Ao limpar a mente, ganha-se espaço para ocupar com o que exige atenção no aqui e no agora e decidir com mais clareza.
Conhecer-se é essencial Mais do que levar em conta uma estratégia ou outra, possivelmente o melhor recurso para lidar com a fadiga de decisão é o autoconhecimento e a autoconsciência. O autoconhecimento dá condições de nomear as limitações, capacidades e comportamentos, enquanto a autoconsciência ajuda a identificar esses comportamentos enquanto eles acontecem, abrindo caminhos para a mudança.
Sueyoshi explica a importância de se conhecer, principalmente em um período que parece exigir demais da mente. “Eu tenho acesso ilimitado a tudo, mas sou um ser humano limitado, preciso ter uma curadoria do que vai me importar. E da onde vem essa curadoria? Vem de eu saber o que é essencial para mim. Quando eu sei, eu não deixo a demanda do outro me atravessar. A gente é ensinado a acolher tudo. O limite entra aí: eu posso opinar, apoiar, mas não posso decidir por você.”
Demandas que não se antecipam Existem casos em que as decisões realmente não poderão ser antecipadas e outros em que a situação pedirá agilidade, como uma médica lidando com uma complicação não esperada durante uma cirurgia. Em momentos assim, uma reação chamada “lutar ou fugir” será disparada, um movimento natural do corpo para reagir diante do que ele entende como ameaça. É essa reação que eleva nossos níveis de cortisol, causando as consequências mencionadas.
Então, dentro do possível, é fundamental para a nossa saúde procurar tratar o processo decisório de maneira leve, avisar nosso cérebro que não estamos em perigo, já que, biologicamente, ele não é capaz de diferenciar um estresse causado por uma decisão de um estresse por conta de uma ameaça real à nossa vida.
E nos momentos extremos em que esse “aviso” não é possível, mostrar que está tudo bem uma vez passada a decisão, buscar refúgio para voltar ao equilíbrio. Meditação, escrita, psicoterapia ou planejamento. Esse espaço criado no dia a dia, com a estratégia que for, ajuda a evitar que momentos pontuais de estresse se transformem num estado constante.
No fim das contas, o que se busca é uma coisa só: ampliar recursos e ferramentas para melhorar o processo decisório e neutralizar a fadiga de decisão e suas consequências. Sim, é um processo difícil, ainda mais em um mundo que constantemente exige que decidamos algo, mas se você está lendo isso, o pontapé inicial já foi dado.